Docente da UFG - Câmpus Goiás lança livro “Massacres do Campo”
Em uma conversa exclusiva, o professor José Humberto de Goes, docente do curso de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) - Câmpus Goiás, nos contou sobre o lançamento do livro “Massacres no Campo”.
Ouça a notícia aqui:
Durante a entrevista, o professor detalhou o processo de pesquisa que deu origem ao livro, como ele e os demais pesquisadores mergulharam nas complexidades do tema, e sobre qual a importância do mesmo para a sociedade.
Confira abaixo:
Gostaríamos que o senhor se apresentasse, e nos falasse um pouco do que você faz aqui dentro da UFG.
Eu sou José Humberto de Goes Junior, sou professor da UFG desde 2011 e atualmente estou coordenando o Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ).
O que seria o Núcleo de Práticas Jurídicas?
O Núcleo de Práticas Jurídicas é um órgão da Unidade Acadêmica Especial de Ciências Sociais Aplicadas (UAECSA) que se dedica, ou, está mais voltado para a formação prática dos estudantes do curso de Direito, o qual promove atendimento à população, da Cidades de Goiás e da região noroeste do Estado - mais ou menos no raio de 100 quilômetros - na defesa de seus direitos. Então, nós atuamos tanto na promoção de ações judiciais quanto na reivindicação administrativa de direitos, junto ao poder executivo mais especificamente, até mesmo na construção de acordos extrajudiciais entre as partes para promover de forma mais simplificada certos direitos.
O Núcleo de Práticas Jurídicas também faz esse atendimento, porque nós não temos instalada a Defensoria Pública aqui na região, então ele supre essa falta, e se integra a rede de proteção dos Direitos Humanos aqui no Município, com apoio ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), enfim, aos diversos grupos que também sofrem violações de direitos humanos e violações históricas de direitos humanos.
Qual é o título do livro e sobre o que ele aborda? E como foi o processo de criação?
O título do livro que nós estamos lançando é “Massacres no Campo”. Esse livro é produto de uma pesquisa que ocorreu entre o ano de 2020 a 2024. Ela aborda um período da história do Brasil chamado ‘Nova República’, e seu período examinado é de 1985 a 2019, em que são analisados os massacres que aconteceram no Campo.
O conceito de "massacres", conforme adotado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi trazido ao nosso contexto de pesquisa, pois trata-se de uma "encomenda", uma provocação da própria Comissão Pastoral da Terra - um Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais - a qual conseguiu congregar pesquisadores de 11 universidades públicas brasileiras para essa pretensão de promover uma investigação sobre os massacres no campo, mas a partir do Poder Judiciário, dos processos judiciais que apuraram esses crimes.
Então, o título “Massacres no Campo” é também semelhante ao próprio do projeto de pesquisa que nós aprovamos nas universidades dos pesquisadores que participaram desse trabalho. Inicialmente foram 49 pesquisadores, e finalizamos com 31 que assinam esse livro.
Eu organizo esse livro junto com a professora Maria José de Souza, que é da Universidade Federal do Oeste da Bahia, professor Diego Augusto Diehl da Universidade Federal de Jataí, professora Carla Benitez Martins da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, e nós trazemos um pouco das nossas conclusões de pesquisa desses últimos quatro anos sobre os massacres no Campo.
Você me perguntou sobre o processo, não é fácil construir uma pesquisa com um coletivo tão grande de pessoas, não é?! Existem muitas concepções, até porque éramos pesquisadoras e pesquisadores de diversas áreas, da Antropologia, do Direito, da Geografia, da História, da Psicologia, da Sociologia… que estávamos discutindo os mesmos temas e os processos judiciais sob uma tentativa de uma lógica comum, mas nós temos o nosso olhar construído nas nossas próprias formações, então isso também traz a riqueza da pesquisa, porque olhamos para processos sociais a partir de diversas perspectivas de formação, e a gente produz esse livro.
Por que esse tema é importante para a comunidade acadêmica?
Eu acho que não só para a comunidade acadêmica, como para a sociedade brasileira como um todo, porque as relações de poder instituídas no Brasil se deram desde o início a partir da concentração fundiária. E isso foi se aprofundando ao longo do tempo. A Constituição de 1988 talvez tenha sido um marco importante para começarmos a “quebrar” essa concentração fundiária, mas isso não aconteceu.
A concentração fundiária estabelece as condições para as relações de poder que nós temos no Brasil, ao mesmo tempo que também produz concentração econômica, e determina um pouco, ou, condiciona um pouco de como é que todos e todas vamos viver. Não podemos esquecer que nós estamos agora vivenciando o tempo do fogo, da destruição ambiental, e isso também tem a ver com concentração fundiária, isso também tem a ver com o modo como a terra é utilizada no Brasil e como essa riqueza, que deveria ser um bem comum, é utilizada hoje a partir da concentração.
Logo, é um livro que importa para a sociedade como um todo, e importa mais ainda, porque ele traz, ele compartilha a análise que nós fazemos sobre o Poder Judiciário. É muito difícil compreender o Poder Judiciário na maior parte das vezes para muitas pessoas, não é?! E a melhor forma de compreender, não só o Poder Judiciário como um sistema de justiça como um todo, porque ele é integrado por outros agentes como Ministério Público, Defensorias Públicas, Polícias, a própria Advocacia, enfim, todos os agentes que atuam nesse sistema, vivenciam ele e às vezes não o compreendem completamente, então é uma luz que a gente pode lançar aqui, uma possibilidade.
A gente compartilha isso com a sociedade, a gente auxilia a sociedade a entender um pouco do funcionamento do Poder Judiciário quanto aos processos judiciais que analisam os massacres no campo. Com essa análise conseguimos criar uma teoria a partir desses dados, e entender um pouco como o Poder Judiciário se posiciona, como julga os crimes cometidos no tema pautado, como atua diante de certos sujeitos, porque, por exemplo percebemos um processo grande de estigmatização, de revitimização das pessoas que sofreram o massacre, negações de direito, ou apagamento de vítimas, isso tudo a gente consegue perceber a partir da leitura desse livro.
Onde o livro será disponibilizado?
Como é uma pesquisa militante, ou seja, uma pesquisa engajada - o que não significa dizer que ela padece de objetividade, muito pelo contrário, a gente adota métodos de pesquisa, muito bem definidos, exatamente para que possamos ter uma investigação séria, uma investigação que aprofunde a análise e permita que, com esse aprofundamento, tenhamos uma compreensão possível, objetiva - ela é voltada para a identificação de um problema social importante, que é a atuação do Poder Judiciário sobre os massacres no campo, então não existe a pretensão de vender esse livro.
Ainda mais, porque toda a sua construção se deu a partir da Comissão Pastoral da Terra, do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, com esses pesquisadores e pesquisadoras de 11 universidades que se disponibilizaram, de forma militante e voluntária, a desenvolver essa pesquisa nesses últimos quatro anos. Então, é possível baixar esse livro (em formato PDF) no site da Comissão Pastoral da Terra, que tem uma aba específica, “Massacres no Campo”, em que esse livro estará depositado. E alguns exemplares foram publicados e estão sendo distribuídos gratuitamente.
Durante a entrevista, tivemos a oportunidade de folhear o livro físico, e é impossível não reconhecer o trabalho meticuloso de toda a equipe envolvida. A obra se destaca não apenas pelo conteúdo profundo, mas também por sua linguagem acessível ao público em geral, além de apresentar dados, tabelas e gráficos de maneira clara e bem executada.
A Universidade Federal de Goiás, Câmpus Goiás, celebra a conquista do professor José Humberto de Goes, reconhecendo a relevância e a representatividade que ele traz com esse lançamento. Seu trabalho, sem dúvida, contribui para instaurar uma pesquisa essencial sobre os massacres no campo, lançando luz sobre questões ainda pouco debatidas na sociedade brasileira.
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