Delegado que atuou no Quilombo Kalunga ministra palestra na Regional
Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, o delegado Diogo Luiz Barreiracontou o desenrolar da exploração sexual na região da Chapada dos Veadeiros.
O Dia Internacional da Mulher foi comemorado com uma palestra no Auditório da Unidade Especial de Ciências Humanas da UFG Regional Goiás, na noite de ontem. O primeiro de muitos debates e reflexões sobre Gênero e Violência que devem acontecer este mês trouxe para a roda de conversas o delegado da Polícia Civil, Diogo Luiz Barreira, famoso por atuar na investigação de violência sexual contra meninas menores de idade na região da Chapada dos Veadeiros, mais especificamente no município de Cavalcante, a 520km de Goiânia.
Durante sua palestra, o delegado, por quatro meses à frente das investigações, criticou estrutura e logística da Polícia Civil na região da Chapada, ausência de profissionais como agentes, peritos, escrivães e psicólogos, obrigando a política a fazer os laudos em Goiânia, e a ação dos membros do Direitos Humanos, que muito deixavam a desejar. Isso, segundo ele, dificultou a junção de materialidade em vários inquéritos e impossibilitou a prisão dos envolvidos, já que apenas as provas testemunhais eram possíveis.“A distância também atrapalhou as investigações. Tinha comunidades a 140km de estrada de chão do centro de Cavalcante e não tínhamos carros traçado e mesmo viaturas para entrar lá. Além disso, muitas pessoas ficavam escondendo os fatos por acontecer dentro de casa e tentavam esconder para não macular a família. Outra dificuldade de concluir os inquéritos é o delegado ter que atuar em cinco cidades daquela região”, revelou o delegado.
Barreira também lembrou que muitas das vítimas eram estupradas duas ou três vezes pela mesma pessoa e que a comunidade era resistente a prestar depoimentos. Ainda segundo o delegado Diogo, muitos moradores das comunidades não tinham sequer consciência de que o abuso sexual é considerado um crime. “Muitos achavam normal, pois com o avô, com a mãe foi assim. É uma questão cultural, não só de lá, mas do interior do Brasil que meninas com 12 ou 13 anos se casem ainda crianças”, lamentou. Por fim, Barreira desmentiu que tenha sofrido ameças de morte. “Minhas maiores lições são que aprendi a exercer minha função de delegado, apesar da falta de aparelhagem do Estado, e que há vários 'brasis' dentro do mesmo Brasil”, finalizou.
Evento
Fizeram parte da mesa também, a diretora da UFG Regional Goiás e coordenadora do Grupo G-SEX, Meire Carvalho; a coordenadora de Direito da UFG Regional Goiás, Margareth Arbués; Elenizía de Jesus, representando o Centro Especializado de Atendimento à Mulher; Jamile Café Torres, presidente do Conselho do Direito das Mulheres; e a professora da UFG Regional Goiás, Ionara Rabelo. Para a docente Ionara ainda falta muito para conseguirmos falar sobre violência e acolher as vítimas da forma como precisam. “A violência sexual impacta no desenvolvimento infantil e é silenciada no ciclo da família, por vários tensionamentos culturais e ausência de debates em todas as várias esferas”, opinou.
Também fizeram parte da mesa os estudantes de Direito, Vilmar Almeida, do CAXIM, e Maria Gabriela Lopes, do PET e G-SEX. Para o estudante Vilmar Almeida, a roda foi de troca de experiências e informações entre os movimentos estudantis, LGBT e de mulheres. “A união dos movimentos lhes garante em uma força de lutar por igualdade de direitos e combater a violência de grupos minoritários”, destacou.
O evento contou com o apoio do Centro Acadêmico XI de Maio (CAXIM) do curso de Direito da UFG Regional Goiás, do Programa de Educação Tutorial (PET/ UFG Regional Goiás) e do Grupo G-SEX. Membro do PET e G-SEX há três anos e cinco anos, respectivamente, Maria Gabriela Lopes, destacou a importância de discutir as questões de gênero e direitos humanos. “A universidade precisa fazer o movimento de troca com a Cidade de Goiás. Recentemente, discutimos gênero nas escolas, como no Lar São José, onde crianças souberam um pouco mais sobre direitos, gênero e como identificar um abuso sexual”, acrescentou.
Casos de Violência
Após denúncias no final de 2014 e apontamentos do Ministério Público, o delegado Diogo Luiz Barreira iniciou a investigação para apurar as denúncias de abusos e exploração sexual de crianças e adolescentes negros e pobres da Quilombola Kalunga, considerado o maior quilombo do Brasil. À frente do caso das vítimas de violência sexual, Barreira chegou a solicitar ao juiz a prisão de vários suspeitos de abuso, entre eles políticos influentes da cidade. Na comunidade remanescente de escravo, os casos eram comuns há décadas e muitos desses crimes foram prescritos.
Em 2015, uma CPI foi criada com o objetivo de elucidar os fatos, punir os responsáveis, coibir casos de adoção irregular e fortalecer as políticas públicas na comunidade. Segundo reportagens publicadas na imprensa, um relatório do Ministério Público apontou que 57 adolescentes foram mães aos 15 anos e que o ato sexual acontecia entre 13 e 14 anos. Na época, a Polícia Civil concluiu cerca de 15 inquéritos que apuraram denúncias de violação aos direitos das crianças e adolescentes, porém apenas uma prisão foi decretada.
A comunidade Kalunga que vive em Cavalcante é uma das maiores do Brasil, com mais de 20 povoados. Com uma área de 260 mil hectares no cerrado, o grupo vive próxima à região da Chapada dos Veadeiros, onde moram cerca de 8 mil quilombolas. Por causa da carência, muitas crianças e adolescentes precisam trabalhar como doméstica em troca de abrigo, alimentação e oportunidade de estudos. Assim, tornam-se vítimas da exploração sexual principalmente por parte dos patrões.
Perfil
Diogo Luiz Barreira Gomes formou em Direito e fez pós-graduação em Direito tributário na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia. Desde 2014 atua como delegado da Polícia Civil e há 10 meses está à frente da Delegacia Municipal da Cidade de Goiás.
Fonte: Weberson Dias/ ASCOM da UFG Regional Goiás
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